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As Unidades de Terapia Intensiva (UTIs) foram desenvolvidas como consequência do surto epidêmico de poliomielite nos anos 50, devido à necessidade de suporte ventilatório mecânico destes pacientes. Desde então, a tecnologia disponível para manutenção dos pacientes críticos tem se tornado cada vez mais complexa e sofisticada. A importância das UTIs nos sistemas de saúde é inquestionável e de importância fundamental no tratamento e manutenção dos pacientes graves. Apesar dos avanços tecnológicos e terapêuticos, a UTI é um ambiente potencialmente hostil aos pacientes criticamente vulneráveis. Além do estresse físico causado pela doença, pela dor, sedação, intervenções frequentes e ventilação mecânica, outros fatores estressantes psicológicos e psicossociais são percebidos por estes pacientes.  O ambiente da UTI é frio e impessoal. O barulho, a luz acesa, o frio ou calor, a limitação dos movimentos e da comunicação, principalmente naqueles pacientes submetidos à ventilação mecânica, sede, fome, isolamento social e falta de privacidade, são fatores altamente estressantes (1).

Os pacientes internados na UTI geralmente apresentam ansiedade em resposta à dor, procedimentos invasivos, ambiente não familiar e medo da morte. A ansiedade é uma resposta biológica normal ao perigo, associada com apreensão sobre um futuro incerto e vulnerabilidade por incapacidade de prever ou controlar uma situação (2). A ansiedade pode se manifestar de várias formas através de sinais e sintomas físicos, afetivos, comportamentais e cognitivos, como: taquicardia, taquipnéia, hipertensão arterial, sudorese, tremores, medo, nervosismo, pânico, terror, inquietação, agitação, recusa do diagnóstico e intervenções terapêuticas, apreensão, pensamentos sobre morte (3). Em moderação, a ansiedade é esperada e pode ser benéfica. Em excesso, pode complicar o diagnóstico, interferir com o tratamento e contribuir com um desfecho desfavorável, aumentando a morbidade e mortalidade. A incidência de ansiedade na UTI é elevada, podendo ser observada em até 70-80% dos pacientes, principalmente naqueles submetidos a ventilação mecânica (4), sendo causa de dificuldade de desmame ventilador(4-3).

 

Os pacientes críticos submetidos à ventilação mecânica frequentemente recebem medicação sedativa e analgésicos intravenosos para reduzir a ansiedade e promover conforto e sincronia do ventilador. Essas medicações geralmente são administradas em doses elevadas e por períodos prolongados, sendo associadas a diversos efeitos colaterais, como bradicardia, hipotensão arterial, íleo paralítico, fraqueza e delirium.

O delirium é uma alteração do estado mental. É um distúrbio da consciência, atenção, cognição e percepção, que se desenvolve num curto período e apresenta curso flutuante. A incidência de delirium é elevada na UTI, variando de 16-89%. São fatores de risco para o desenvolvimento de delirium: infecção, desidratação, distúrbios hidroeletrolíticos e metabólicos, ventilação mecânica, sedação prolongada, ambiente estranho, ausência de visitas dos familiares, internamento prolongado e privação de sono (6-7). O delirium é um preditor forte de hospitalização prolongada, do aumento de morbidade, mortalidade e dos custos de tratamento (7). O diagnóstico precoce, tratamento adequado e principalmente a prevenção com mudança dos fatores modificáveis e ambientais é a principal arma contra o delirium.

Os pacientes internados na UTI geralmente não dormem bem, apresentam alterações do ciclo sono-vigília, como privação do sono e alterações da arquitetura interna do sono (8,9,10). O sono é fragmentado, com aumento da latência do sono e redução de sua eficiência. O sono de ondas lentas (estágio 3 ou sono profundo) encontra-se reduzido ou ausente, bem como o sono REM. Apesar do tempo total de sono não estar significativamente reduzido, cerca de 50% do tempo total do sono ocorre durante o dia. O ritmo circadiano encontra-se alterado (11). Alterações na quantidade e qualidade do sono dos pacientes na UTI causam consequências importantes que contribuem para um aumento da morbi e mortalidade (10), tais como diminuição da função imunológica, alterações da síntese proteica e da divisão celular (retardando a cura de infecções e a cicatrização de feridas), alterações cognitivas que variam de apatia e confusão a delirium, aumento da ativação simpática e da pressão arterial (9), além de dificuldade de desmame de ventilação mecânica e de extubação.

A música é parte integrante da vida humana e da cultura. Ela é uma forma de arte e um símbolo de representação emocional (12). Sendo universal entre as culturas humanas, a música nos une em uma identidade coletiva como membros de nações, religião e outros grupos (13) Há indícios de que já se produzia música desde a pré-história, provavelmente como consequência da observação dos sons da natureza. A influência da música na saúde física e mental tem uma longa história (12) Acredita-se que em 1500 a.C, os médicos egípcios consideravam a música uma terapia capaz de aumentar a fertilidade da mulher. No panteão grego, Apolo era o provedor da medicina e da música. Pitágoras utilizava a música para ajudar no alívio de preocupações, medos e raiva. Segundo Platão, a música tem o poder de tocar o mais profundo de nossa alma e dá asas à imaginação. Na Bíblia Sagrada temos relatos históricos da existência da música na Palestina. O livro de Salmos menciona instrumentos musicais como a harpa, o saltério, a trombeta, a flauta e o canto para o louvor (13). Saul, rei de Israel, quando ansioso e atormentado por um espírito maligno, era aliviado pelo toque da harpa de Davi (15).

A partir de meados do século XX, com o retorno dos veteranos da 1a e 2a guerras mundiais, a musicoterapia ganhou papel de destaque nos hospitais, sendo utilizada inicialmente pela enfermagem como recurso complementar no cuidado ao ser humano, visando o tratamento de depressão.

O processamento musical tem fascinado neurocientistas (16). A percepção musical se inicia com a entrada do som em nossos ouvidos e depois se espalha em várias áreas do cérebro e do corpo através de reações emocionais e fisiológicas. Apesar de o córtex auditivo estar localizado na região temporal, escutar música é um processo complexo para o cérebro, uma vez que ele desencadeia uma sequencia de respostas cognitivas e emocionais (17). A atividade neural associada com o escutar música estende-se muito além do córtex temporal, ela envolve uma rede de conexões difusa e bilateral para as áreas frontal, temporal, parietal e subcorticais, relacionadas com atenção, processamento semântico e músico sintático, memória, funções motoras e se estende a regiões límbicas e para límbicas relacionadas com processamento emocional (17). Estudos de neuroimagem funcional como tomografia por emissão de pósitron e ressonância magnética funcional ajudam-nos a entender os mecanismos envolvidos no processamento musical (12).

O cérebro como uma estrutura dinâmica altamente organizada tem capacidade de modificar sua estrutura organizacional e funcional durante a vida e de se adaptar em resposta a estímulos ambientais (18-19). A atividade musical é um poderoso estímulo para esse tipo de adaptação cerebral, ou plasticidade cerebral (18-19). A Plasticidade cerebral ocorre durante o desenvolvimento e maturação cerebral normal, habilidades de aprendizado e memória, recuperação de traumatismos, bem como consequência de privação sensorial ou riqueza ambiental (19).

A musicoterapia tem sido utilizada efetivamente como tratamento integrativo em doenças médicas, particularmente em doenças neurológicas, como acidente vascular cerebral, doença de Parkinson, distúrbios do sono, depressão, déficit de atenção e hiperatividade, autismo, migrânia e epilepsia (12). Estudos científicos mostram os efeitos benéficos da música na epilepsia infantil, incluindo redução de descargas epileptiformes e na frequência das crises convulsivas (12).

A música pode influenciar variáveis fisiológicas como pressão arterial, frequência cardíaca, respiração, atividade elétrica cerebral, temperatura corporal e resposta galvânica da pele, além de influenciar funções imunológicas e endócrinas (20).

A musicoterapia tem sido utilizada em diversos setores: maternidade, UTI neonatal, pediatria, pacientes com doenças cardiovasculares, pulmonares e neurológicas, redução de dor em pacientes cirúrgicos e oncológicos. Os trabalhos têm mostrado que a música é importante na criação de um ambiente humanizado, redução dos níveis de estresse, ansiedade e depressão, redução do consumo de drogas e encurtamento da permanência hospitalar (21).

Estudos têm demonstrado a influência da música na variação de parâmetros fisiológicos: frequência cardíaca, respiratória e pressão arterial. Miller et al. (22) avaliaram o efeito benéfico da música na função endotelial em voluntários saudáveis e não fumantes. Os autores observaram que músicas que evocavam alegria causavam um aumento de 26% no fluxo da artéria braquial causada por dilatação no seu diâmetro e uma redução de 6% com músicas que causavam ansiedade. Esse aumento do fluxo arterial mediado por música que promova alegria tem a mesma magnitude do aumento do fluxo observado por atividade aeróbica e estatinas

Bradt e Dileo (23) revisaram 23 papers (1461 participantes) que avaliaram intervenções musicais para reduzir ansiedade e funções fisiológicas em pacientes com doença arterial coronariana. Escutar música foi a principal intervenção usada e 21 estudos não incluiu um musico terapeuta. Os resultados mostraram que ouvir música tem um efeito moderado em redução de ansiedade e dos parâmetros fisiológicos: frequência cardíaca, respiratória e pressão arterial.

McCaffery indica o uso da música como uma abordagem não farmacológica efetiva para o controle da dor, por se caracterizar como um método de distração e estar entre as estratégias mais eficazes além de apresentar um alto nível de aceitabilidade pelos pacientes (24). A música pode excitar os peptídeos, agentes que liberam no cérebro as endorfinas, as quais produzem “pico” natural e servem também como inibidor natural da dor (25).

Carrol McLaughlin, harpista renomada e professora de música, tem tocado harpa para pacientes na UTI da Universidade do Arizona. Foi observado um aumento da pressão arterial nos pacientes hipotensos e redução dos níveis tensionais após a música nos hipertensos. A música da harpa causa um ambiente relaxante e terapêutico, não só para os pacientes e seus familiares, mas também para os staffs

A arte exerce um poder medicinal de desvendar o homem na sua totalidade - corpo e mente. A compreensão da necessidade dos cuidados com a alma dos nossos pacientes, além do tratamento dos sinais e sintomas clínicos, aumenta as possibilidades de cura (26)

 Projetos como “A arte na Medicina às vezes cura, de vez em quando alivia, mas sempre consola”-UPE, ”Música nos Hospitais 2005” - Associação Paulista de Medicina, “Arte, Cultura e Lazer-HC/UNICAMP, “Doutores da Alegria”- ONG entre muitos outros, resultam de uma visão humanista, no que se refere ao cuidado com a saúde e o bem-estar das pessoas, apresentando como objetivo comum proporcionar aos médicos, pacientes e funcionários, momentos de paz.

A arte no ambiente hospitalar tem sua importância como ferramenta de apoio terapêutico. Em países como Estados Unidos, Canadá, França, Alemanha, Inglaterra, China e Japão, os médicos reconhecem, cada vez mais, a eficácia do uso da música como uma forma de terapia para pacientes hospitalizados. Dr. Raymond Bahr, diretor da Unidade Coronariana do St. Agnes Hospital, em Baltimore, Maryland, afirmou categoricamente: “Suas propriedades relaxantes permitem que os pacientes se recuperem mais depressa ao permitir-lhes aceitar sua condição e tratamento sem muita ansiedade”. Ainda de acordo com Bahr “meia hora de música produz o mesmo efeito que dez miligramas de Valium”.

Diversos trabalhos têm sido realizados nos últimos anos e mostrado a importância da musicoterapia na redução de estresse e ansiedade em pacientes cardíacos, pacientes internados em terapia intensiva, na redução da dor e melhora de qualidade de vida em pacientes oncológicos e terminais

O HC - UFPE atua como Hospital-Escola e Centro de referência e Pesquisa Científica. Esse perfil confere ao HC a necessidade de continuação e de ampliação dos seus projetos de humanização. Espetáculos artísticos aproximam as pessoas de ideais humanísticos, criando um ambiente onde a empatia com o sofrimento alheio é fundamental para o acolhimento dos pacientes e seus familiares. Descontração, cultura e lazer ao ambiente hospitalar.

Fundamentação  teórica do Projeto Música para o Coração e  a    Alma  na  UTI

Referências Bibliográficas 

Música faz bem para o Corpo e a Alma. Orgulhosamente criado com Wix.com

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Hospital das Clínicas da UFPE

Tel: 081-2126-3633

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